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Luis Roberto Demarco


Luis Roberto Demarco

Luís Roberto Demarco
Tem de participar
Meu pai me ensinou a nadar e a jogar xadrez, pebolim e pingue-pongue. Nesses jogos, ele fingia que estava dando o melhor de si e, no final, perdia por pouco. Foi nessas partidas que eu, menino tímido, comecei a ganhar confiança para os embates da vida e a acreditar que, um dia, poderia ser tão bom como o meu pai.
Eu queria ser bom do mesmo jeito que ele foi naquela semana em que morreu meu primeiro cachorro, um vira-latas simpático e afetuoso que até hoje mora no meu coração. Disseram que o Bimbo podia ter morrido de raiva. O veterinário achou melhor não facilitar e recomendou dar antirrábica às crianças que tinham brincado com ele. Meu pai decidiu que iria aplicar as injeções. E começou por mim e minhas irmãs, depois continuou com os meus amigos, os amigos delas, todas as crianças da vizinhança, organizadas em fila, por vários dias, na frente de minha casa. Ele dava as injeções com presteza e paciência em cada uma, enquanto eu assistia com muita admiração a esse ato de defesa das crianças do meu bairro. “Não basta ser pai, tem de participar”, dizia uma antiga propaganda de uma pomada para contusões, que sempre me fazia lembrar do meu pai naquele dia. Sei que ele estava só aplicando umas injeções, mas, aos meus olhos de menino, era um grande herói salvando a vida da garotada em perigo.
Eu também queria ser corajoso como ele foi em 1968, quando a ditadura militar envolveu o país numa das piores repressões de sua história. Tentativas de invasões policiais no campus da Faculdade de Assis, entre pressões de outra natureza, não chegaram a se consumar graças à resistência de um grupo de docentes do qual meu pai fazia parte. Minha preocupação foi grande, mas, felizmente, para meu orgulho, ele conseguiu ajudar a superar as dificuldades de então, na condição de vice-diretor da escola. Aliás, naqueles anos, muitos estudantes, professores e diretores de várias universidades se notabilizaram, com sacrifício, por enfrentarem as duras ações da ditadura militar.
Meu pai é um símbolo em minha vida e, no ano 2000, quando ele chegava aos 70 anos, quis lhe dar um presente simbólico. Meses antes da data, comecei a remexer as gavetas de seu escritório e os arquivos dos jornais de Assis. Sabia que nesses lugares encontraria textos que ele produzira ou publicara ao longo da vida, refletindo sobre os problemas da cidade e da região. Consegui reunir 28 produções dos últimos anos. Elaborei então uma apresentação, encomendei uma capa e contratei uma gráfica, para a publicação de 500 exemplares iniciais de um livro de 76 páginas chamado Inquietações de Assis, da autoria de meu pai (fiz também um site, o www.assisense.com.br). No dia do seu aniversário, cheguei com um pequeno embrulho nas mãos. “Pai, este é um presente modesto, um livrinho, mas o senhor deve gostar, porque é do coração.” Acho que foi um dos melhores presentes que ele recebeu na vida, porque, ao abrir o embrulho, como ele diz, “seu espírito sincero não pode evitar extenso momento de extraordinária emoção”. Fiquei feliz por lhe ter dado esse prazer, embora com a certeza de que isso foi pouco em comparação a tudo o que ele fez por mim e comigo.
Meu Pai
João de Almeida nasceu em São Paulo em 1929, filho de casal de imigrantes portugueses, o funcionário público Antônio e a costureira Madalena. Começou a trabalhar aos 13 anos como office-boy, pouco depois de concluir o curso primário. Para as outras etapas de estudo, as circunstâncias o obrigaram a recorrer ao turno noturno, vindo a se formar em Letras, pela USP da Maria Antônia, e a fazer aí os seus cursos de pós-graduação. Lecionou Português no nível ginasial e, em 1962, foi chamado a participar do corpo docente da Faculdade de Letras do Instituto Superior Isolado de Assis – escola mantida pelo Estado e que mais tarde se tornaria parte da Unesp – onde fez o seu doutorado. Ali desenvolveu toda a sua carreira universitária, por 42 anos, tendo chegado a ser diretor da unidade, entre 1975 e 1979. Após a sua aposentadoria oficial, em 1986, ainda colaborou, até 2004, junto ao Programa de Pós-Graduação em Letras da mesma Faculdade.
Luís Roberto Demarco: Presidente do Grupo Nexxy, que abriga empresas de tecnologia.